terça-feira, 26 de julho de 2011

Uma medida provisória chamada Gonçalves


Em maio, o Senado aprovou a MP 515: R$ 15 mil para o senhor Gonçalves e
mais R$ 26 bilhões para diversos órgãos do Judiciário e do Executivo - Fábio Pozzebom/ABr
Uma indenização de R$ 15 mil puxa um novelo de gastos públicos que chega a R$ 26 bilhões. É o texto da MP 515, que tem sido usada por consultores do Senado como o exemplo cabal do que o governo não poderia nunca fazer ao editar uma MP

O servidor público Antônio Carlos Gonçalves dos Reis teve de esperar cerca de um ano para começar a receber do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no Rio de Janeiro, uma pensão de dois salários mínimos que ele requeria. Para conseguir a pensão, Gonçalves teve de ir à Justiça. No início deste ano, ele afinal conseguiu seu pleito, depois de uma decisão em seu favor proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Como o pagamento é retroativo a novembro de 2009, Gonçalves teve o direito de receber uma indenização de R$ 15 mil.

Em que momento a pendenga judicial de Antônio Carlos Gonçalves dos Reis virou um caso de calamidade pública ou, pelo menos, de emergência, para o governo federal, é algo difícil de saber. Porque só a transformação da pensão de Gonçalves num desses casos extremíssimos é que poderia justificar, pela Constituição, a sua presença como personagem central de uma medida provisória editada em dezembro do ano passado pelo então presidente Lula. São os R$ 15 mil de Gonçalves que dão título à MP 515, que o Senado aprovou no dia 24 de maio deste ano: “Abre crédito em favor da Justiça do Trabalho e outros órgãos do Poder Executivo”. Pois o “crédito em favor da Justiça do Trabalho”, que não é órgão do Poder Executivo, como faz pensar o texto da MP, mas do Judiciário, são os R$ 15 mil de Gonçalves. E eles puxam um novelo de dinheiro público que, ao final, soma nada menos que R$ 26 bilhões.

O artigo 62 da Constituição versa sobre o uso das medidas provisórias, instrumento que dá ao presidente da República no país a possibilidade de legislar, como está escrito logo no início, “em caso de relevância e urgência”. Eis aí já o primeiro ponto controverso: se Gonçalves pode esperar desde 2009 pela decisão judicial que lhe favoreceu, por que o pagamento da sua pensão de uma hora para outra tornou-se relevante e urgente? Mas o parágrafo primeiro do artigo 62 estabelece os pontos em que é vedado o uso de medidas provisórias para legislar. E o ponto contido na alínea “d” diz que não pode haver MP que trate de “planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares”. Ou seja: em princípio, pelo que diz a Constituição, nem os R$ 15 mil de Gonçalves nem todo o restante que soma R$ 26 bilhões poderia ter sido enviado ao Congresso Nacional como medida provisória. E o Congresso, ao examinar a admissibilidade da MP, deveria tê-la devolvido ao Poder Executivo.

O parágrafo terceiro do artigo 167, no entanto, abre uma exceção: diz que o governo pode editar MP que fale de créditos orçamentários caso eles sejam feitos para cobrir despesas com calamidades públicas e emergências. Assim, para ser constitucional, a indenização de Antônio Carlos Gonçalves teria de se encaixar em uma dessas duas condições. Não só a indenização de Gonçalves, mas todo o restante de pagamentos que a MP autoriza, que incluem, entre outras coisas, R$ 2,2 milhões para adquirir “bens” para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); R$ 4,1 milhões para o início e aperfeiçoamento de carreiras na Escola Nacional de Administração Pública; R$ 20 milhões para a concessão de Bolsa-Atleta pelo Ministério dos Esportes; R$ 127 milhões para bolsa-formação de policias e agentes penitenciários, e R$ 22,3 bilhões para que o Ministério das Minas e Energia, a partir de suas empresas e órgãos, como a Petrobras, invista em pesquisa e prospecção de combustíveis minerais e energia como um todo.

Congresso em Foco

Nenhum comentário:

Postar um comentário